Archive for Abril 2006
União Européia condena ataque a comboio italiano n…
Segundo se lê aqui, o contrato de patrocínio da Be…
Cimeira Japão-União Europeia dominada pelas questõ…
União Europeia com acordo de princípio sobre direc…
Barroso pede ambiente mais "acolhedor" para empres…
Gazprom ameaça vender o gás aos Estados Unidos. De…
Tribunal de Contas da UE diz que ajuda à Rússia é …
Del Cavalieri al Professore
Artigo publicado na edição de hoje do semanário O Diabo:
«Comentava em Bruxelas um observador amigo, atento às coisas comunitárias, na noite de todas as incertezas sobre o resultado das eleições italianas, que estas haviam produzido uma notícia boa e uma notícia má. A notícia boa era que Silvio Berlusconi, Il Cavalieri, havia perdido as eleições; a notícia má era que Romano Prodi, Il Professore, as havia ganho!
Seguramente que subjacente a esta análise se encontrava um juízo de valor sobre a prestação e o contributo de ambos – Berlusconi e Prodi – para a causa comunitária e para a posição de Itália no contexto das nações deste mundo em permanente mutação.
Prodi – que enquanto Presidente do governo italiano foi o grande obreiro da adesão da Itália ao euro quando muitos vaticinavam a completa impossibilidade disso suceder, tal a desregulação das contas públicas de Roma – é sabido que se notabilizou por ser o Presidente da Comissão Europeia que talvez mais rapidamente desbaratou o enorme capital de esperança que se depositou no início do seu mandato, nunca tendo ultrapassado a mediania e o cinzentismo, acabando esse mandato enredado em práticas menos acertadas e penosamente incompatibilizado com o Conselho Europeu e a generalidade dos chefes de Estado e de Governo dos Estados-Membros da União – ele que havia sido chefe de Governo antes de liderar a Comissão Europeia.
Berlusconi, que enquanto chefe do governo presidiu à Europa da União durante o segundo semestre de 2003 sem grandes motivos para recordar, para além de corporizar o que de mais suspeito pode existir em termos de promiscuidade entre o poder político, o mundo dos negócios (especialmente no domínio da comunicação social) e o sub-mundo do futebol, percebeu a importância estratégica da relação transatlântica entre a União Europeia e os EUA e tentou durante 5 anos ser não um mas o aliado preferencial e privilegiado do Presidente George W. Bush na Europa, logo atrás do senhor Blair, claro – que a preeminência deste ninguém ousa contestar. Bush, porém, que não raro teima em decepcionar e desiludir quem o classifica como destituído, nunca permitiu que Il Cavalieri tivesse esse estatuto de privilégio e sempre deu provas de preferir a segurança firme de Aznar à retórica incontrolada de Berlusconi (como o comprova a célebre foto da não menos célebre cimeira dos Açores onde estava aquele mas faltava este).
Agora, contados e recontados os votos, não aceite o veredicto eleitoral por parte de Berlusconi – como se isso relevasse para o caso ou como se de uma qualquer República africana de quarto mundo estivéssemos a falar – Prodi tem pela frente a formação de um governo que o próprio já anunciou submeter-se a dois grandes valores: a paz e a Europa.
Talvez em nome do primeiro – a paz –, começou já por anunciar a retirada das tropas italianas do Iraque, imitando Zapatero quando este assumiu o governo de Madrid. O que não deixa de ser curioso e paradoxal: Berlusconi é que era acusado de governar com a imprensa e através de um cuidadoso programa de marketing político; Prodi, porém, estreia-se nesta segunda reencarnação governativa justamente recorrendo aos métodos do seu adversário, com o anúncio de uma medida de profundo alcance mediático e ampla simpatia popular. Admite-se que antes de tomar a sua decisão tenha ponderado os efeitos da mesma na referida relação transatlântica e tenha percebido que na hora de crispação que o mundo atravessa – nomeadamente pela necessidade de coesão na luta sem tréguas contra o terrorismo – a solidariedade ocidental é um bem que não pode ser relativizado nem ameaçado.
Relativamente ao segundo, a Europa, continua a esperar-se a formulação dos princípios que nortearão a actuação do governo de Roma em matéria comunitária – mas será expectável pensar-se num maior empenhamento e numa maior aposta nesse mesmo projecto, contribuindo decisivamente para o período de reflexão em que a União vive a propósito do Tratado constitucional – Tratado, recorde-se, negociado e assinado durante o mandato de Prodi à frente da Comissão Europeia.
Ao enunciar estes grandes valores a que pretende submeter a sua governação, Prodi, todavia, não se deverá ter esquecido de um «pequeno» detalhe que por certo poderá fazer toda a diferença e determinar o ritmo e a direcção dessa mesma governação – tendo ganho as eleições pela margem mínima, caber-lhe-á ser capo de um governo que vai encontrar uma Itália completamente dividida ao meio, bipolarizada ao centro, o que, em matéria de política interna, costuma ser sinónimo de pouca margem de manobra política e escassa capacidade reformista. No caso em apreço tal significará eventuais diferenças de estilo e de personalidade, talvez mesmo de forma; dificilmente de conteúdo. Aí, na essência das coisas, talvez não seja arriscado prognosticar ou vaticinar uma linha de continuidade que é o sinal mais característico das chamadas democracias ocidentais, fatalmente condenadas a uma governação ao centro. A mais do mesmo.»
Mais um país vai ratificar a Constituição Europeia…
Comissão Europeia e a «golden-share» do Estado na PT (IV)
Comissão Europeia e a «golden-share» do Estado na PT (III)
UE: Portugal e a poupança inesperada
Freitas do Amaral vai faltar à próxima reunião dos…
Adenda – para tranquilizar os defensores oficiais e oficiosos do nosso Ministro, e segundo a mesma fonte, ocorre lembrar que a razão para a falta de Sua Excelência também não se prende com a participação na visita oficial que, nesse dia, José Sócrates faz a Paris, para uma cimeira luso-francesa. Apesar de ser Ministro dos Negócios Estrangeiros, Freitas também não estará na Cimeira (diz-se….) por a mesma ser dedicada a temas da Educação e da Ciência. Com tantas solicitações e uma agenda tão sobrecarregada, Sua Excelência não escolhe eventos nem hierarquiza prioridades. Sua Excelência vai de férias….
O direito comunitário e a sua relação com a ordem jurídica interna
Já disponível on-line, aqui, o texto subordinado ao tema em epígrafe.
Eslovénia pode entrar para a zona euro já em 2007….
Sérvia faz operações de charme em Viena. A Sérvia-…
Quase um milhão de particulares registou endereços…
A União Europeia vive uma fase delicada. A onda de…
Este livro pretende oferecer um contributo para o conhecimento da União Europeia. Ao longo dos seus capítulos são abordadas as principais questões relacionadas com o processo de integração, a começar pela criação das Comunidades Europeias e o estabelecimento da União, passando pelo Tratado de Nice, o alargamento a leste, o federalismo no contexto da construção europeia, a elaboração do Tratado Constitucional, o sistema político da União, a divisão de competências entre a União e os Estados-membros, e os direitos fundamentais dos cidadãos.
Conteúdo do livro: Capítulo I. Das Comunidades à União Europeia. Capítulo II. O Tratado de Nice. Capítulo III. O Alargamento a Leste. Capítulo IV. Federalismo e União Europeia. Capítulo V. O Tratado Constitucional da União Europeia. Capítulo VI. As Instituições e o Processo Político. Capítulo VII. A Divisão de Competências entre a União e os Estados-Membros. Capítulo VIII. Direitos Fundamentais.
CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL
CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL M. POIARES MADURO
apresentadas em 6 de Abril de 2006 (1)
Processos apensos C‑282/04 e C‑283/04
Comissão das Comunidades Europeias
contra
Reino dos Países Baixos
«Livre circulação de capitais – ‘Golden shares’ detidas pelo Estado neerlandês na KPN NV e na TPG NV»
I – Matéria de facto e fase pré‑contenciosa
2. Em 1989, a empresa estatal neerlandesa dos correios, telégrafos e telefones foi transformada numa sociedade anónima, a Koninklijke PTT Nederland NV (a seguir «PTT»). Em 1994, a PTT passou a ser cotada na bolsa. O Estado neerlandês vendeu um primeiro lote de acções desta sociedade representativo de 30% do capital subscrito.
3. Por ocasião da referida entrada na bolsa, os estatutos da sociedade foram alterados a fim de incluírem disposições que previssem a detenção de «golden shares» pelo Estado neerlandês. Foram associados às «golden shares» direitos de autorização prévia de várias decisões da sociedade. A PTT e o Estado neerlandês celebraram um acordo (o designado «Afspraak op Hoofdlijnen», a seguir «acordo») sobre o exercício desses direitos. Em conformidade com o acordo, o Estado neerlandês não pode usar os seus direitos para proteger a sociedade de ofertas públicas de aquisição hostis. Em 1995, o Estado neerlandês vendeu um segundo lote de acções que representava cerca de 20% do capital subscrito.
4. Em 1998, a PTT foi cindida em duas sociedades autónomas: a KPN, para as actividades relacionadas com as telecomunicações, e a TPG, para a logística e a distribuição. Os direitos inerentes às «golden shares» do Estado neerlandês permaneceram, no essencial, inalterados.
5. As «golden shares» detidas pelo Estado neerlandês na KPN (processo C‑282/04) conferem um direito de autorização prévia dos seguintes tipos de decisões:
– a emissão de acções da sociedade e a limitação ou supressão do direito de preferência dos detentores de acções ordinárias;
– a exigência de pagamentos suplementares aos detentores de acções preferenciais do tipo A;
– a aquisição ou a alienação pela sociedade de acções representativas do seu capital que representem mais de 1% das acções ordinárias subscritas;
– o exercício do direito de voto em matéria de dissolução, fusão ou cisão das pessoas colectivas referidas no artigo 11.° da lei sobre as telecomunicações, a aquisição de acções representativas do capital da sociedade por essas pessoas colectivas e a alteração dos estatutos dessas mesmas pessoas, na medida em que essa alteração tenha por objecto as referidas matérias;
– a decisão do conselho de administração de realizar investimentos dos quais resulte que os capitais próprios da sociedade, calculados numa base consolidada, representem menos de 30% do total do seu activo;
– a proposta do conselho de administração de distribuir dividendos e/ou dividendos por conta das reservas;
– qualquer fusão ou cisão que envolva a sociedade;
– a dissolução da sociedade;
– qualquer alteração dos estatutos quando um dos seus objectivos seja alterar o objecto social da sociedade, na medida em que a alteração incida sobre o funcionamento das concessões ou das autorizações, a supressão da acção especial, a supressão das acções preferenciais do tipo B, a determinação do número de membros do conselho fiscal pelo Ministro das Comunicações e das Obras Públicas e a alteração dos direitos inerentes às acções especiais;
– o resgate das «golden shares».
6. As «golden shares» detidas pelo Estado neerlandês na TPG (processo C‑283/04) conferem direitos que são idênticos ou semelhantes aos inerentes às «golden shares» na KPN, mais precisamente o direito de autorização prévia dos seguintes tipos de decisões:
– a emissão de acções da sociedade e a limitação ou supressão do direito de preferência dos detentores de acções ordinárias;
– a exigência de pagamentos suplementares aos detentores de acções preferenciais do tipo A;
– a aquisição ou a alienação pela sociedade de acções representativas do seu capital que representem mais de 1% das acções ordinárias subscritas;
– o exercício do direito de voto em matéria de dissolução, fusão ou cisão das pessoas colectivas referidas no artigo 11.° da lei sobre as telecomunicações, a aquisição de acções representativas do capital da sociedade por essas pessoas colectivas e a alteração dos estatutos dessas mesmas pessoas, na medida em que essa alteração tenha por objecto as referidas matérias;
– a decisão do conselho de administração de realizar investimentos dos quais resulte que os capitais próprios da sociedade, calculados numa base consolidada, representem menos de 15% do total do seu activo;
– a proposta do conselho de administração de distribuir dividendos e/ou dividendos por conta das reservas;
– qualquer fusão ou cisão que envolva a sociedade;
– a dissolução da sociedade;
– qualquer alteração dos estatutos quando um dos seus objectivos seja alterar o objecto social da sociedade, na medida em que a alteração incida sobre o funcionamento das concessões ou das autorizações, a supressão das acções especiais, a supressão das acções preferenciais do tipo B, a determinação do número de membros do conselho fiscal pelo Ministro das Comunicações e das Obras Públicas e a alteração dos direitos inerentes às acções especiais;
– o resgate das «golden shares».
7. Em 28 de Julho de 2000, a Comissão enviou duas notificações para cumprir ao Reino dos Países Baixos, uma relativa à KPN e a outra relativa à TPG. Posteriormente, foi dado seguimento aos procedimentos em relação a ambas empresas.
8. Na sua carta de 28 de Julho de 2000 referente à KPN, a Comissão informou o Governo neerlandês de que, na sua opinião, as disposições dos estatutos da KPN que regulam os direitos inerentes às «golden shares» detidas pelos Países Baixos e a representação do Estado neerlandês no conselho fiscal da KPN eram contrárias às disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais e à liberdade de estabelecimento.
9. O Governo neerlandês respondeu por carta de 8 de Novembro de 2000, na qual afirmou que o envolvimento do Estado neerlandês na KPN através das suas «golden shares» e por meio dos membros do conselho fiscal nomeados pelo governo não restringia a livre circulação de capitais nem a liberdade de estabelecimento.
10. Insatisfeita com esta resposta, a Comissão enviou ao Reino dos Países Baixos, em 5 de Fevereiro de 2003, um parecer fundamentado, no qual alega que, ao manter as suas «golden shares» na KPN e o seu direito de nomear os membros do conselho fiscal da KPN, o Reino dos Países Baixos não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 43.° CE e 56.° CE. O Reino dos Países Baixos, continuando a discordar da Comissão, respondeu por carta de 28 de Abril de 2003.
11. A Comissão levou este caso ao Tribunal de Justiça em 30 de Junho de 2004. No entanto, não manteve as suas alegações relativas à nomeação dos membros do conselho fiscal, uma vez que este direito fora retirado dos estatutos da referida sociedade.
12. Na sua carta de 28 de Julho de 2000 referente à TPG, a Comissão informou o Governo neerlandês de que, na sua opinião, as disposições dos estatutos da TPG que regulam os direitos inerentes às «golden shares» detidas pelos Países Baixos e a representação do Estado neerlandês no conselho fiscal da TPG eram contrárias às disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais e à liberdade de estabelecimento.
13. O Governo neerlandês respondeu por carta de 8 de Novembro de 2000, na qual afirmou que o envolvimento do Estado neerlandês na TPG através das suas «golden shares» e por meio dos membros do conselho fiscal nomeados pelo governo não restringia a livre circulação de capitais nem a liberdade de estabelecimento. O Governo neerlandês alegou, a título subsidiário, que, mesmo que existisse uma restrição à livre circulação de capitais ou ao direito à liberdade de estabelecimento, essa restrição seria justificada pelo objectivo de garantir a existência de um serviço postal universal.
14. Insatisfeita com esta resposta, a Comissão enviou ao Reino dos Países Baixos, em 5 de Fevereiro de 2003, um parecer fundamentado. O Reino dos Países Baixos, continuando a não estar convencido da justeza da opinião da Comissão, respondeu por carta de 28 de Abril de 2003.
15. A Comissão levou este caso ao Tribunal de Justiça em 1 de Julho de 2004. Como se verificou no caso da KPN, a Comissão não manteve as suas alegações na parte relativa à nomeação dos membros do conselho fiscal, uma vez que este direito fora retirado dos estatutos da sociedade em questão.
16. Por despacho de 30 de Junho de 2005, os dois processos foram apensos para efeitos da fase oral e do acórdão, ao abrigo do artigo 43.° do Regulamento de Processo.
II – Apreciação
17. Segundo a Comissão, o Reino dos Países Baixos violou o artigo 43.° CE e o artigo 56° CE. Seguindo uma prática reiterada do Tribunal de Justiça, examinarei, em primeiro lugar, os argumentos relativos ao artigo 56.° CE (2).
18. A Comissão alega que os direitos inerentes às «golden shares» detidas pelo Estado neerlandês na KPN e na TPG podem dificultar a aquisição de acções nestas sociedades e são susceptíveis de dissuadir os investidores de outros Estados‑Membros de realizarem esse tipo de investimentos. O exercício desses direitos é susceptível de restringir a participação efectiva na gestão ou no controlo das sociedades. Desta forma, as participações dos Países Baixos na KPN e na TPG podem impedir, ou tornar menos atractivos, os investimentos directos de outros Estados‑Membros. Por conseguinte, em seu entender, as «golden shares» constituem um entrave à livre circulação de capitais na acepção do artigo 56.° CE.
19. O Reino dos Países Baixos alegou em sua defesa, em primeiro lugar, que o artigo 56.° CE não é aplicável porque, na qualidade de accionista da KPN e da TPG, o Estado actua enquanto operador económico e não enquanto autoridade pública. Começarei por analisar este argumento.
A – O artigo 56.° CE aplica‑se ao Estado quando actua na qualidade de operador económico?
20. O Governo neerlandês alega que as «golden shares» na KPN e na TPG não são abrangidas pelo âmbito de aplicação do artigo 56.° CE, dado que o Estado neerlandês não as detém na qualidade de autoridade pública, mas sim enquanto accionista privado. As «golden shares» ou «acções privilegiadas» são comuns ao abrigo do direito das sociedades neerlandês. Os direitos inerentes às «golden shares» do Estado neerlandês na KPN e na TPG não são diferentes dos direitos habitualmente convencionados entre particulares. O Estado fez uso das faculdades que lhe eram conferidas pelo direito das sociedades da mesma forma que outros o teriam feito.
21. Não partilho deste ponto de vista.
22. As regras do Tratado em matéria de livre circulação de pessoas, livre prestação de serviços e livre circulação de capitais impõem certas obrigações às autoridades nacionais dos Estados‑Membros, independentemente de essas autoridades actuarem na qualidade de autoridade pública ou de entidade sujeita ao direito privado (3). Os Estados‑Membros estão sujeitos às regras relativas à livre circulação, das quais são claramente destinatários, não devido à sua qualidade funcional de autoridades públicas, mas devido à sua qualidade orgânica de partes contratantes do Tratado (4). Na medida em que essas regras não criam obrigações para os particulares, os Estados‑Membros, quando actuam na qualidade de operadores económicos, podem estar sujeitos a restrições que não são aplicáveis a outros operadores económicos (5).
23. Acresce que, a fim de determinar se a livre circulação de capitais é restringida quando um Estado dispõe de poderes especiais numa empresa, é irrelevante o modo como esses poderes são concedidos ou a forma legal de que se revestem. O facto de um Estado‑Membro actuar no quadro do seu direito das sociedades nacional não significa que os seus poderes especiais não possam constituir uma restrição na acepção do artigo 56.° CE (6).
24. Além disso, mesmo que as autoridades públicas neerlandesas estivessem excluídas do artigo 56.° CE quando actuam, como qualquer outro accionista, ao abrigo do direito geral das sociedades, haveria que colocar a questão de saber se legislação que permite a alguns accionistas obter certos direitos especiais a fim de os proteger do funcionamento do mercado pode constituir, em si mesma, uma restrição à livre circulação de capitais. Uma legislação deste tipo pode restringir o acesso ao capital no mercado nacional, ao proteger a posição de certos operadores que adquiriram um grande poder nesse mercado. Além disso, é provável que esses operadores sejam accionistas nacionais. Legislação dessa natureza pode, portanto, impedir o acesso ao mercado nacional por parte de investidores estabelecidos noutros Estados‑Membros (7).
25. Por conseguinte, o argumento de que os poderes especiais do Estado neerlandês na KPN e na TPG não são abrangidos pelo âmbito de aplicação do artigo 56.° CE pelo facto de as acções privilegiadas serem comuns ao abrigo do direito das sociedades deve ser rejeitado.
B – Aplicação do artigo 56.° CE aos direitos especiais em questão
26. Nos presentes processos, é essencialmente pedido ao Tribunal de Justiça que defina os limites que o direito comunitário estabelece para os Estados‑Membros quando intervêm no mercado enquanto operadores económicos. Esta forma de intervenção, que contrasta com as formas clássicas de intervenção do Estado, como a regulamentação ou a propriedade pública, é uma tentativa de conservar alguma forma de controlo público num sector económico privatizado.
27. O advogado‑geral D. Ruiz‑Jarabo Colomer inferiu do artigo 295.° CE que, dado que um Estado pode, em teoria, manter um controlo total sobre as sociedades através da propriedade pública, pode, a fortiori, manter um controlo mais limitado sobre sociedades privatizadas através de certos direitos especiais (8). O Tribunal de Justiça não seguiu este raciocínio. Declarou que os Estados‑Membros não podem «invocar os seus regimes de propriedade, tal como referidos no artigo 295.° CE, para justificar entraves às liberdades previstas no Tratado, que resultam de privilégios que acompanham a sua posição de accionista numa empresa privatizada» (9).
28. Na minha opinião, a posição do Tribunal de Justiça está em consonância com a sua jurisprudência noutras áreas em que se colocam questões sobre os limites impostos ao Estado quando actua enquanto operador económico. Quando um Estado decide abrir um determinado sector ao mercado, deve actuar de forma coerente com essa decisão. Esta exigência de coerência resulta da necessidade de assegurar que o Estado esteja sujeito ou às regras de funcionamento do mercado ou às regras próprias do processo político (10).
29. No caso da privatização de antigas empresas públicas, esta exigência é particularmente importante. O Tratado autoriza os Estados a manter certas empresas em regime de propriedade pública. No entanto, não os autoriza a privar selectivamente o acesso dos operadores a certos sectores económicos uma vez que estes sectores tenham sido privatizados. Se o Estado tivesse o direito de manter formas especiais de controlo económico sobre empresas privatizadas, poderia facilmente frustrar a aplicação das regras em matéria de livre circulação ao conferir apenas um acesso selectivo e potencialmente discriminatório a quotas substanciais do mercado nacional.
30. Quando o Estado privatiza uma empresa, a livre circulação de capitais exige, por conseguinte, que a autonomia económica da empresa seja protegida, excepto se houver uma necessidade de salvaguardar interesses públicos fundamentais reconhecidos pelo direito comunitário. Assim, por ser estranho ao funcionamento normal do mercado, qualquer controlo de uma empresa privatizada por parte do Estado deve estar relacionado com a realização das actividades de interesse económico geral associadas a essa empresa.
31. O acórdão do Tribunal de Justiça de 4 de Junho de 2002, Comissão/Bélgica, deve igualmente ser lido neste sentido. O Tribunal de Justiça reconheceu que certas «preocupações […] podem […] justificar que os Estados‑Membros conservem uma determinada influência nas empresas inicialmente públicas e posteriormente privatizadas, quando essas empresas actuam nos domínios dos serviços de interesse geral ou estratégicos» (11). Todavia, é evidente que essa influência deve ser estritamente limitada ao necessário para garantir obrigações fundamentais de interesse público (12). Por esta razão, o Tribunal de Justiça deu ênfase ao «princípio do respeito da autonomia de decisão da empresa» em questão (13). Por conseguinte, o Estado deve identificar o interesse público específico que justifica a protecção. Além disso, as regras que conferem ao Estado direitos especiais devem ser baseadas em critérios objectivos e precisos que não excedam o necessário para proteger esse interesse público e garantir a possibilidade de uma fiscalização jurisdicional efectiva (14).
32. Parece‑me que, à luz da jurisprudência acima referida, podem existir poucas dúvidas quanto ao facto de que as «golden shares» na KPN e na TPG constituem uma restrição à livre circulação de capitais. Conferem ao Estado um direito de autorização prévia de uma série de decisões importantes, inclusive de decisões da assembleia geral de accionistas relativas à fusão, cisão ou dissolução da sociedade e relativas a várias alterações dos estatutos da sociedade. Esse regime de autorização prévia «afecta[…] a situação de um adquirente de uma participação enquanto tal» (15) e é, portanto, susceptível de «dissuadir os investidores de outros Estados‑Membros de procederem às suas aplicações no capital dessas empresas» (16). Por conseguinte, os poderes especiais do Estado na KPN e na TPG restringem a livre circulação de capitais (17).
33. Consequentemente, é necessário considerar, em cada caso, se a restrição se justifica por um objectivo legítimo e, sendo assim, se o princípio da proporcionalidade é respeitado (18).
34. No caso da KPN, o Governo neerlandês não invoca qualquer justificação baseada em eventuais razões imperativas de interesse geral. No que diz respeito às suas «golden shares» na KPN, o Reino dos Países Baixos não cumpriu, portanto, as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 56.° CE (19).
35. No entanto, no caso da TPG, o Governo neerlandês invoca a necessidade de garantir a prestação adequada de um serviço postal universal. O Reino dos Países Baixos alega que as suas «golden shares» na TPG lhe permitem proteger a solvência e a continuidade da sociedade. Observa que, uma vez que a TPG é actualmente a única empresa capaz de prestar um serviço postal universal à escala e com a qualidade exigida pelo direito nacional, é necessário proteger a solvência e a continuidade da TPG para garantir a prestação desse serviço.
36. É pacífico que o interesse de garantir a prestação adequada de um serviço postal universal pode constituir uma razão imperativa de interesse geral (20). Assim, há que examinar se os poderes especiais do Estado neerlandês são necessários para assegurar a prestação de um serviço postal universal e se esse objectivo pode ser alcançado através de medidas menos restritivas da livre circulação de capitais (21).
37. A este respeito, concordo com a Comissão quando afirma que não existe qualquer razão para poder supor que, se os poderes especiais em apreço não existissem, os órgãos de gestão da TPG não seriam capazes de proteger adequadamente a solvência e a continuidade da empresa. Não foi demonstrado que a probabilidade de investimentos precipitados poderem colocar a TPG em dificuldades financeiras susceptíveis de pôr em perigo a sobrevivência de um serviço postal universal adequado era suficientemente elevada para justificar o regime amplo e geral de autorização prévia em causa nos presentes processos.
38. Deve observar‑se, neste contexto, que os poderes especiais do Estado neerlandês na TPG não estão limitados às actividades da TPG enquanto prestadora de um serviço postal universal (22). Em qualquer caso, como a Comissão assinalou correctamente, o bom funcionamento de um serviço postal universal pode ser protegido através de meios mais adequados e menos restritivos, em conformidade com o quadro jurídico comunitário neste domínio (23).
39. Acresce que o regime de autorização prévia não é baseado em critérios claros e objectivos sujeitos a fiscalização jurisdicional. As regras gerais do direito privado e o acordo aplicável entre a TPG e o Estado apenas exigem que este último exerça os seus poderes de uma forma razoável. Além disso, os estatutos da TPG não obrigam o detentor das «golden shares» a fundamentar formalmente o exercício dos seus direitos. Neste sentido, o regime de direitos especiais em apreço é diferente do regime que foi consentido pelo Tribunal de Justiça no acórdão Comissão/Bélgica (24).
40. Em conformidade com o exposto, há que concluir que o regime de poderes especiais associado às «golden shares» na TPG vai para além do necessário para garantir a prestação adequada de um serviço postal universal. Ao manter as suas «golden shares» na TPG, o Reino dos Países Baixos não cumpriu, portanto, as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 56.° CE.
C – A acusação da Comissão com base no artigo 43.° CE
41. A Comissão alega que os direitos especiais na KPN e na TPG também constituem uma violação do artigo 43.° CE. Contudo, é pacífico entre as partes que uma análise à luz do artigo 43.° CE produziria o mesmo resultado do que a análise à luz do artigo 56.° CE. Com efeito, na sua anterior jurisprudência em matéria de «golden shares», o Tribunal de Justiça defendeu que não havia necessidade de um exame separado à luz do artigo 43.° CE (25). O Tribunal declarou que, na medida em que os poderes especiais em questão criavam restrições à liberdade de estabelecimento, essas restrições eram «consequência directa dos obstáculos à livre circulação de capitais […], dos quais [eram] indissociáveis» (26). Proponho que o Tribunal de Justiça siga uma abordagem idêntica nos presentes processos.
III – Conclusão
42. Pelos fundamentos expostos, proponho que o Tribunal de Justiça:
no processo C‑282/04,
– declare que, ao manter certas disposições dos estatutos da sociedade KPN NV, segundo as quais as acções desta sociedade devem incluir uma acção especial detida pelo Estado neerlandês que confere direitos especiais no que respeita à aprovação de determinadas decisões adoptadas pelos órgãos competentes da mesma, o Reino dos Países Baixos não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 56.° CE;
e, no processo C‑283/04,
– declare que, ao manter certas disposições dos estatutos da sociedade TPG NV, segundo as quais as acções desta sociedade devem incluir uma acção especial detida pelo Estado neerlandês que confere direitos especiais no que respeita à aprovação de determinadas decisões adoptadas pelos órgãos competentes da mesma, o Reino dos Países Baixos não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 56.° CE.
——————————————————————————–
1 – Língua original: português.
2 – Acórdãos de 4 de Junho de 2002, Comissão/Portugal (C‑367/98, Colect., p. I‑4731); Comissão/França (C‑483/99, Colect., p. I‑4781); Comissão/Bélgica (C‑503/99, Colect., p. I‑4809); de 13 de Maio de 2003, Comissão/Espanha (C‑463/00, Colect., p. I‑4581), e Comissão/Reino Unido (C‑98/01, Colect., p. I‑4641).
3 – Esta questão não deve ser confundida com a questão de saber se as entidades privadas estão sujeitas às regras relativas à livre circulação. Quando uma entidade privada exerce uma função pública, é possível considerar que o Estado está a actuar por meio dessa entidade e que, em consequência, as regras relativas à livre circulação são aplicáveis ratione personae. V., por exemplo, acórdãos de 18 de Maio de 1989, The Queen/Royal Pharmaceutical Society (266/87 e 267/87, Colect., p. 1295); de 11 de Agosto de 1995, Dubois (C‑16/94, Colect., p. I‑2421, n.° 20); de 5 de Fevereiro de 2004, Rieser Internationale Transporte (C‑157/02, Colect., p. I‑1477, n.° 24), e conclusões apresentadas pela advogada‑geral J. Kokott no processo AGM‑COS.MET (C‑470/03, ainda não publicadas na Colectânea, n.° 87).
4 – V. também, por analogia, acórdãos de 26 de Fevereiro de 1986, Marshall (152/84, Colect., p. 723, n.° 49), e de 12 de Julho de 1990, Foster (C‑188/89, Colect., p. I‑3313, n.° 17).
5 – V. acórdão de 13 de Dezembro de 1983, Apple & Pear Development Council (222/82, Recueil, p. 4083, n.° 17). As regras relativas aos contratos públicos constituem outro exemplo de restrições que são aplicáveis aos Estados‑Membros quando actuam na qualidade de operadores económicos, mas não a outros operadores económicos.
6 – Neste sentido, ver conclusões apresentadas pelo advogado‑geral D. Ruiz‑Jarabo Colomer, em 6 de Fevereiro de 2003, no processo Comissão/Espanha (C‑463/00, Colect., p. 4581), e no processo Comissão/Reino Unido (C‑98/01, Colect., p. I‑4581, n.° 48).
7 – V, neste sentido, conclusões que apresentei no processo Marks & Spencer (C‑446/03, ainda não publicadas na Colectânea, n.os 37 a 40), n.os 55 e 56 das conclusões que apresentei no processo Cippolla (C‑94/04) e no processo Macrino (C‑202/04, ainda pendentes no Tribunal de Justiça), e n.os 54 e 55 das conclusões que apresentei nos processos Trofo Super‑Markets (C‑158/04 e C‑159/04, ainda pendentes no Tribunal de Justiça).
8 – Conclusões apresentadas nos processos C‑367/98, C‑483/99 e C‑503/99, já referidos, em especial, n.° 66. V. igualmente n.os 54 a 57 das suas conclusões apresentadas nos processos Comissão/Espanha e Comissão/Reino Unido, já referidas.
9 – Acórdão Comissão/Espanha, já referido, n.° 67.
10 – V., a este respeito, conclusões que apresentei no processo Fenin (C‑205/03, ainda não publicadas na Colectânea, n.° 26) e n.os 31 e 32 das conclusões que apresentei nos processos Cippolla e Macrino, já referidos.
11 – Acórdão Comissão/Bélgica, já referido, n.° 43.
12 – V., a este respeito, acórdãos Comissão/Bélgica, já referido, n.° 47, e Comissão/Espanha, já referido, n.° 82.
13 – Acórdão Comissão/Bélgica, já referido, n.° 49.
14 – Acórdão Comissão/Bélgica, já referido, n.os 51 e 52.
15 – Acórdãos Comissão/Reino Unido, já referido, n.° 47, e Comissão/Espanha, já referido, n.° 61.
16 – Acórdão Comissão/França, já referido, n.° 41.
17 – V., a este respeito, acórdão Comissão/França, já referido, n.° 37, e, mais recentemente, acórdão de 2 de Junho de 2005, Comissão/Itália (C‑174/04, ainda não publicado na Colectânea, n.° 28).
18 – V., neste sentido, acórdãos de 14 de Dezembro de 1995, Sanz de Lera e o. (C‑163/94, C‑165/94 e C‑250/94, Colect., p. I‑4821, n.° 23); Comissão/Portugal, já referido, n.° 50; Comissão/Itália, já referido, n.° 35, e de 1 de Dezembro de 2005, Burtscher (C‑213/04, ainda não publicado na Colectânea, n.° 14).
19 – V., por analogia, acórdão Comissão/Reino Unido, já referido, n.os 49 e 50.
20 – V., por analogia, acórdão 20 de Junho de 2002, Radiosistemi (C‑388/00 e C‑429/00, Colect., p. I‑1831, n.° 43). V. também, a este respeito, acórdão de 19 de Maio de 1993, Corbeau (C‑320/91, Colect., p. I‑2533, n.° 15), no qual o Tribunal de Justiça declarou que os serviços postais universais constituem serviços de interesse económico geral.
21 – V., por exemplo, acórdãos Sanz de Lera e o., já referido, n.° 23, e Comissão/Bélgica, já referido, n.° 48.
22 – V., quanto à situação inversa, acórdão Comissão/Bélgica, já referido, n.° 50.
23 – Directiva 97/67/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Dezembro de 1997, relativa às regras comuns para o desenvolvimento do mercado interno dos serviços postais comunitários e a melhoria da qualidade de serviço (JO 1998, L 15, p. 14), na redacção dada pela Directiva 2002/39/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 10 de Junho de 2002 (JO L 176, p. 21).
24 – Já referido. V., em particular, n.os 51 e 52 deste acórdão.
25 – V, por exemplo, acórdãos Comissão/Bélgica, já referido, n.° 59, e de 23 de Maio de 2000, Comissão/Itália (C‑58/99, Colect., p. I‑3811, n.° 20).
26 – Acórdãos Comissão/Portugal, já referido, n.° 56; Comissão/França, já referido, n.° 86, e Comissão/Reino Unido, já referido, n.° 52.
Procurador-geral do TJE com opinião salomónica sob…
O sistema de cooperação judicial: o reenvio prejudicial
Efectivamente, a aplicação do direito comunitário nos diferentes Estados-Membros da União está cometida às instâncias nacionais, sejam elas jurisdicionais ou administrativas. O que significa que, na prática, os tribunais nacionais funcionam como verdadeiros tribunais comuns de direito comunitário.
Outros modelos teriam sido possíveis – mas o «legislador constitucional» comunitário optou por aquele que lhe pareceu mais fiável, mais expedito e mais seguro: investir as autoridades nacionais (judiciais e administrativas) da competência de, em primeira instância, aplicarem o direito comunitário.
Porém, a partir do momento em que as autoridades nacionais – sobretudo as jurisdicionais – se viram investidas da competência de aplicarem em primeira instância o direito criado pelas instituições comunitárias, houve necessidade de prever a existência de um mecanismo que garantisse a efectiva cooperação entre as instâncias jurisdicionais dos Estados-Membros e as instâncias jurisdicionais da própria União Europeia (maxime, o próprio Tribunal de Justiça da União Europeia). E que garantisse essa efectiva cooperação a dois níveis principais: por um lado numa sã cooperação que permitisse uma correcta aplicação da justiça; por outro lado, que garantisse uma uniforme interpretação do direito comunitário. É que, se pareceu adequado que esse mesmo direito comunitário fosse aplicado em primeira instância pelos tribunais dos Estados-Membros, já se afigurava inadequado que a correcta interpretação do mesmo fosse deixada, também, entregue às instâncias jurisdicionais nacionais, cada uma tributária da sua própria história, do seu próprio enquadramento. Ou seja, se no momento presente nada obsta a que o direito da União Europeia possa ser aplicado por tribunais e administrações de 25 Estados-Membros, já pareceria de todo desaconselhável que a interpretação do mesmo fosse deixada igualmente na disponibilidade de 25 sistemas jurisdicionais diferentes.
O mecanismo concebido para garantir essa efectiva cooperação entre as instâncias jurisdicionais nacionais e da União Europeia é o instituto do reenvio prejudicial previsto no artigo 234 do Tratado de Roma. O reenvio prejudicial pretende garantir que em todo e qualquer processo que decorra perante um juiz nacional, sempre que se suscitar um problema de aplicação de uma norma de direito comunitário, e sempre que surgirem dúvidas sobre a validade e/ou a correcta interpretação dessa mesma norma de direito comunitário, a decisão final (quer quanto à questão da validade quer quanto à questão da interpretação) seja garantida pelo Tribunal de Justiça da União Europeia.
A intervenção do Tribunal de Justiça da União Europeia, todavia, é preciso deixá-lo bem claro, não assume uma natureza contenciosa ou jurisdicional. Não é o Tribunal de Justiça da União Europeia que vai «decidir» o processo onde a questão prejudicial seja suscitada. Qualquer processo onde seja suscitada uma questão que exija um reenvio prejudicial decorre ante juízes nacionais e será sempre por estes decidida. A instância jurisdicional comunitária «apenas» delibera sobre a questão prejudicial que lhe for colocada (seja a determinação de validade de uma dada norma jurídica seja a sua correcta interpretação), competindo-lhe «devolver» o processo ao juiz nacional, com a questão prejudicial resolvida, devendo o juiz nacional decidir em última instância.