RESPUBLICA EUROPEIA

Direito Comunitário e Assuntos Europeus. Por João Pedro Dias

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A UE e a crise no Médio Oriente

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A loucura dos homens voltou a espalhar a guerra e o terror nas cercanias da fronteira externa da União Europeia. E enquanto as tropas israelitas continuam a bombardear indiscriminadamente o sul do Líbano – invocando o direito de legítima defesa do seu território, mas ultrapassando-o também, como aconteceu no passado domingo com o bárbaro bombardeamento de Cana que matou 51 civis entre os quais 25 crianças e que conseguiu reunir contra o Estado hebraico a generalidade da comunidade internacional e a totalidade dos governos árabes ora reunidos em torno do governo de Beirute, coisa até ao momento nunca acontecida no decorrer desta crise – enquanto tudo isto acontece e por tudo isto estar a acontecer, cresce na comunidade internacional a convicção de que só um cessar-fogo que garanta a criação de uma «zona tampão» entre o norte de Israel e o sul do Líbano, patrulhada por uma força multinacional de interposição, poderá no imediato colocar um ponto final na carnificina que se arrasta há mais de três semanas naquela região sofrida do globo. Nesta conjuntura nova que se vai desenhando no Oriente Médio, há fundadas expectativas sobre a atitude que irá assumir a Europa da União: numa época ainda caracterizada pela crise constitucional que persiste em pairar sobre a sua agenda política interna, permanecerá a União Europeia fiel às grandiloquentes proclamações de boas intenções, às condenações da praxe e às declarações de estilo acompanhadas dos habituais donativos de emergência cuja ineficácia e inconsequência têm por hábito ser directamente proporcionais à retórica utilizada ou, dirimindo e resolvendo divergências internas, arriscará a uma efectiva intervenção, assumindo plenamente as responsabilidades inerentes a um actor geopolítico regional actuando num mundo globalizado? Este é o dilema a que a União Europeia não poderá fugir nos tempos mais próximos. O dilema entre manter uma posição passiva face a mais um conflito regional que ocorre nas suas imediações e nas proximidades das suas fronteiras exteriores ou assumir uma atitude pró-activa que indicie um esboço de uma política externa e de defesa ou segurança comuns tantas vezes ensaiada e outras tantas frustrada, que deixe transparecer um mínimo de vontade política que ultrapasse a habitual retórica eurocrática. No caso em apreço, há a convicção generalizada de que a União Europeia poderia beneficiar de acrescidas condições de sucesso para o desempenho da missão arbitral que se reclama da comunidade internacional, face sobretudo à comprometida e parcial intervenção que os EUA desempenham no conflito e na região – e que faz com que não sejam vistos, por todas as partes directa ou indirectamente envolvidas no processo, como suficientemente equidistantes e imparciais para mediarem o conflito. Para desempenhar tal missão, porém, é necessário que a Europa da União dê provas de uma coesão que até agora ainda não foi capaz de evidenciar e denuncie uma efectiva vontade política que muitos dos seus detractores se comprazem em verificar que (ainda) não existe. Infelizmente, tanto a recente Conferência de Roma como as recentes negociações de Nova Iorque têm evidenciado mais a tendência europeia para a divisão e a cisão do que o impulso necessário para a construção dessa vontade política. Decerto: não possuindo forças militares próprias – para além das que são fornecidas pelos seus Estados membros – nem cadeias de comando devidamente estruturadas e tendo sempre de se socorrer dos meios logísticos e materiais que lhe forem disponibilizados por outras organizações internacionais (nomeadamente a NATO) para a projecção de qualquer força militar ou para a estruturação ou participação numa força multinacional de interposição, qualquer intervenção da União Europeia neste conflito suporá sempre a necessária cobertura político-jurídica do Conselho de Segurança das Nações Unidas mas também a prévia resolução das divergências internas entre os mais relevantes dos seus Estados membros em face do conflito. Essas divergências ou tensões, aliás, têm sido evidentes: (I) seja em sede do Conselho de Segurança da ONU onde as posturas francesa e britânica não raro têm conflituado e divergido; (II) seja na dificuldade com que a chanceler Ângela Merkl se viu impedida de intermediar as negociações de libertação dos soldados israelitas feitos reféns do Hezzbolah; (III) seja através da lamentável e completa falta de actuação diplomática relevante tanto da presidência finlandesa da UE como do respectivo Alto Representante para a Política Externa – o senhor Javier Solana – que ora se tem visto ultrapassado pela actuação da senhora Rice ora aparece mesmo secundarizado pela actuação da senhora Benita Ferrero-Waldner – a Comissária Europeia para as relações externas que actua sob autoridade directa do Presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, mas que, neste domínio, carece quase por completo de efectivas competências jurídicas; (IV) seja, finalmente, através da demonstração de desunião europeia dada pelas diplomacias de Londres e Paris, cada qual procurando actuar individual e isoladamente, a primeira com Tony Blair em Washington, a segunda com o Ministro dos Negócios Estrangeiros a caminho de Beirute e de Telavive, via Chipre, cada qual procurando buscar uma solução para a crise e colher os louros respectivos. Porém, o arrastamento do conflito, que se anuncia como provável ou mesmo inevitável – chegando o «requinte de malvadez» ao ponto de se definir com precisão cirúrgica o exacto número de dias que o mesmo ainda irá durar – poderá permitir às instâncias apropriadas da União Europeia – a sua presidência e o seu Alto Representante para a Política Externa – beneficiarem do tempo necessário à preparação duma actuação concertada; e numa tal perspectiva não será arriscado vaticinar o papel fulcral que os pequenos e médios países da União poderão desempenhar na busca dos necessários consensos à formulação duma posição comum europeia. Em vista dessa hipótese, aliás, bem andou Luís Amado, o novo Ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal – quer quando sugeriu a realização duma reunião extraordinária dos chefes da diplomacia dos «25» quer quando admitiu, em termos gerais, verificados os necessários pressupostos, a participação de forças armadas portuguesas numa eventual missão europeia que venha a ser decidida por Bruxelas. Se, como começámos por referir, é verdade que a loucura dos homens voltou a espalhar a guerra e o terror nas cercanias da fronteira externa da União Europeia, não será menos verdade que neste caso concreto, e uma vez mais, o Mundo espera pela Europa, sobretudo pela Europa organizada em torno da União. Não faz sentido, por isso, que essa mesma Europa persista num ensurdecedor silêncio teimando em fugir desse mesmo Mundo, negando-lhe aquilo que ele lhe pede, parecendo contentar-se em ser apenas o tão propalado gigante económico que não consegue ultrapassar o estádio de um simples anão político. A ser assim, demitindo-se a UE de ter uma actuação política de relevo, contentando-se em actuar apenas nos domínios económicos, a prazo mais ou menos longo poderá ser o futuro do próprio projecto europeu a estar em causa.

[Artigo de opinião publicado na edição de hoje do semanário O Diabo]

Written by Joao Pedro Dias

1 Agosto 2006 at 12:26 am