RESPUBLICA EUROPEIA

Direito Comunitário e Assuntos Europeus. Por João Pedro Dias

Richard Coudenhove-Kalergi: síntese biográfica

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Empenhando–se com redobrado interesse e indesmentível fervor na divulgação do ideal europeu — pela palavra e pela acção — a esse mesmo ideal dedicou o conde Richard Coudenhove–KALERGI praticamente toda a sua vida e a sua obra, marcando os anos vinte [BOSSUAT, 1994, 31] do vigésimo século.

KALERGI nasceu em 1894 em Tóquio. Morreu em Zurique em 1972. O pai — austríaco; a mãe — japonesa. Aristocrata, cosmopolita e mitteleuropeu à moda dos HABSBURGOS, o meio no qual cresceu o jovem Richard não predispunha para o culto de qualquer nacionalismo. Em Ronsperg, pequena aldeia de 200 habitantes onde cresceu e viveu parte importante da sua juventude, os governantes eram franceses ou ingleses; a dama de companhia era húngara; o secretário bávaro e o administrador checo; o maître d’hôtel, Babik KALINGIAN, era arménio; o professor de turco era albanês; o professor de hebreu era o rabin de Pilsen, o Dr. POZNANSKY; o professor de hindu e de árabe era o indiano Abdullah SURRAWARDY, adversário da colonização britânica e futuro líder do movimento pan–islâmico. A aldeia de Ronsperg era habitada predominantemente por sudetas germânicos; a cidade mais próxima, Domazlice, era maioritariamente checa [SAINT-OUEN, 1997: 33] — e foi neste ambiente em que cresceu e se formou a personalidade de KALERGI, num permanente emaranhado de culturas e de tradições que convidava ao cosmopolitismo e ao intercâmbio de hábitos e de costumes. A educação que recebeu acabou por reflectir esse cosmopolitismo. Entre 1908 e 1913 estudou num dos mais reputados colégios do Império, o Theresianum de Viena, outrora fundado pela imperatriz Maria Teresa; nesta escola de quadros da administração imperial cursou ao lado de alunos provenientes dos quatro cantos do império e de todas as nacionalidades. À saída do colégio foi a opção pela filosofia e por um doutoramento na Universidade de Viena que levou vantagem sobre uma promissora carreira diplomática que se podia adivinhar.

Em 1919 — no fim da guerra que vira desaparecer o império austro–húngaro, que provocara a redefinição do mapa político da Europa e que assistira ao triunfo bolchevique em Moscovo — KALERGI possui a cidadania checa; em 1939 adquire a nacionalidade francesa. Após o primeiro conflito mundial, portanto, KALERGI vê–se cidadão da primeira república checoslovaca. Claramente percebeu os problemas étnicos e aduaneiros que não deixariam de ser colocados por esta entidade que acabava de ser criada. Daí que MASARYK, primeiro Presidente da República da nova Checoslováquia, tenha sido o primeiro estadista a quem KALERGI se dirigiu. «A resposta do Presidente foi positiva em palavras mas decepcionante na realidade. Sem dúvida que MASARYK, também ele um intelectual honesto e recto, viu os problemas colocados por KALERGI. Tinha sonhado a constituição de uma república federal não centralista (“uma espécie de Suiça da Europa central”, como gostava de dizer). Por outro lado, tinha desejado uma união danubiana que teria, pelo menos, salvo a coesão económica do antigo domínio HABSBURGO. Mas o seu primeiro–ministro, Edouard BENÈS, não via as coisas da mesma forma. Culturalmente europeu mas construtor apaixonado do novo Estado, BENÈS nunca apoiou na prática as teses paneuropeias. A sua preferência dirigiu–se mais para as fórmulas clássicas da aliança, como a Pequena Entente, cordão sanitário destinado a manter o stato quo e a derrotar o revisionismo magiar» [BRUGMANS, 1970: 59].

Seria, portanto, munido de um passaporte checo que KALERGI começou a sua cruzada em prol do ideal europeu através de artigos publicados em revistas ou jornais renomados como Die Erde, Neue Rundschau ou Der Neue Merkur. Em diferentes obras e em diversos escritos teve oportunidade de expor as suas teses a favor de uma Europa unida sob a forma de uma União Paneuropeia. A bandeira, identificada por uma cruz vermelha sobreposta sobre um sol dourado, simbolizando a humanidade e a razão e invocando o movimento europeu das Cruzadas, fazendo apelo à herança greco–judaico–cristã europeia, ilustrava a ambição do seu criador na construção de uma grande união europeia. Em Julho de 1922 aparece em primeira página, simultaneamente em Viena (na Neue Freie Presse) e em Berlim (no Vossische Zeitung), A Questão Europeia — artigo de relevo e importância que esteve na origem do movimento paneuropeu que KALERGI alimentou e acarinhou. No ano seguinte, em 1923, viria a público uma das suas principais obras, um livro–manifesto de 168 páginas redigido em três escassas semanas, intitulado Paneuropa — aí se preconizando para o continente europeu uma solução de união inspirada no modelo dos EUA. Aí se escrevia que «o sentimento da comunidade paneuropeia, o patriotismo paneuropeu, devem coroar e completar o sentimento nacional» [BOSSUAT, 1994: 27]. E a iniciativa concreta deveria caber, em primeira linha, aos povos da Europa. De facto, «a Europa não pode esperar que os seus governos e os chefes dos seus partidos políticos se dêem conta da necessidade que ela tem de se unir. Cada homem, cada mulher, compenetrados da necessidade da Paneuropa devem colocar–se ao serviço desta ideia de que depende o destino do continente e o destino de uma civilização». Subjacente a esta obra fundamental para o estudo da unidade europeia no período que mediou entre as duas guerras mundiais, o conde austríaco deixava patentes três preocupações fundamentais: em primeiro lugar impedir e evitar a todo o custo a dominação política da Europa pelos bolcheviques na altura triunfantes em Moscovo; em segundo lugar, evitar a dominação económica da Europa pelos norte–americanos; finalmente, manter a liderança da Europa no Mundo para o que se preconizava, na Paneuropa, o nascimento dos Estados Unidos da Europa, com a prudente exclusão quer da Rússia (que liderava um império eurasiático) , quer da Inglaterra (centro de um império extra–europeu). De facto, ao lado do império britânico, que se mantinha quase intacto, do império soviético, que se desenhava e do império americano, que se adivinhava, a Europa deveria conhecer um processo federador e agregador que lhe possibilitasse a manutenção de uma situação de privilégio no quadro da ordem nova que se anunciava. A Paneuropa, à semelhança do pan–americanismo emergente, deveria volver–se numa organização ou num bloco regional a funcionar no quadro da Sociedade das Nações, dotada para o efeito de um conjunto de instituições semelhantes às existentes nos Estados Unidos da América. Estas instituições deveriam reflectir a situação nova que a Europa conhecia após o primeiro conflito mundial, situação caracterizada essencialmente pelo desaparecimento do império austro–húngaro, a emergência do império soviético e a generalização da ideia democrática de base nacional. No quadro das instituições propostas para a Paneuropa ocuparia lugar de destaque um Parlamento de duas Câmaras — a Câmara dos Povos, representando a população europeia numa proporção de um deputado por um milhão de habitantes, e a Câmara dos Estados, formada por um representante de cada um dos governos dos Estados membros, independentemente da sua dimensão ou peso demográfico, assim se conseguindo o pleno respeito pelo princípio da igualdade das nações [SAINT-OUEN, 1997: 40]. Um Conselho composto por delegados dos Estados e um Tribunal de Justiça completariam o rol das instituições propostas [GERBET, 1994: 132].

Para a concretização da Paneuropa, KALERGI sugeria um calendário concreto dividido em três fases ou etapas. Numa primeira fase haveria que convocar uma grande conferência paneuropeia encarregada de analisar as questões do Tribunal de Justiça, da garantia internacional, do desarmamento, das minorias, das comunicações, dos problemas aduaneiros, da dívida internacional e da cultura. Numa segunda fase deveria haver lugar à conclusão, entre todos os Estados europeus, de um Tratado de arbitragem que os unisse a todos mútua e reciprocamente. Finalmente, a terceira fase seria a da criação de uma união aduaneira paneuropeia que faria da Europa um único território económico homogéneo [SAINT-OUEN, 1997: 39].

Mas a Paneuropa também teria os seus inimigos. KALERGI identificava quatro potenciais inimigos para a Paneuropa: em primeiro lugar, o chauvinismo nacionalista — este verá no paneuropeísmo o obscurecimento da sua nação, protestará contra todo o abandono da soberania nacional, em nome da liberdade nacional e da honra do seu país; em segundo lugar, o comunismo — pedirá o impossível: a entrada da Rússia soviética na federação europeia, apenas para combater a consolidação da Europa; em terceiro lugar, o militarismo — combaterá o programa paneuropeu, dado que este torna impossível uma nova guerra que esse militarismo deseja; em quarto lugar, o grupo mais importante e perigoso, no dizer de KALERGI, formado pelas indústrias que devem a sua existência ao proteccionismo — dado que estas empresas não poderão competir no interior de um bloco económico paneuropeu. Estas indústrias, em sua opinião, não deviam a sua existência nem à boa qualidade nem ao baixo preço dos dos seus produtos, mas sim a uma protecção aduaneira que proibe a entrada no território nacional de produtos estrangeiros melhores e mais baratos [COUDENHOVE-KALERGI, 1927: 202-206]. em contrapartida, KALERGI não duvida que, pelo contrário, os consumidores seriam os grandes beneficiados desta Paneuropa.

Em Junho de 1924 — ano em que seria publicado o Manifesto Europeu — KALERGI publica a Carta Aberta aos Parlamentares Franceses, que viria a estar na origem do Projecto BRIAND, onde o seu autor escreve que «todo o europeu deve estar consciente do perigo russo e a independência da Europa somente pode ser salvaguardada através dos Estados Unidos da Europa. (…) O ingresso da Inglaterra nessa confederação paneuropeia apenas seria possível caso os seus domínios se afastassem de Londres». Para o efeito o conde austríaco propunha um programa: «aliança política, económica e militar, Tratados de arbitragem e de garantia entre todos os Estados democráticos do nosso continente; acordo com a Inglaterra e a América; paz com a Rússia e o Extremo Oriente».

Mas a acção de KALERGI não se limitou à divulgação das suas teses e dos seus princípios. Foi uma actuação que conheceu uma vertente acentuadamente prática. Vertente que se manifestou, por exemplo, na criação, ainda na década de vinte, da União Paneuropeia — entidade sedeada em Viena e que, pouco mais de um ano após a sua criação, já possuía delegações em vários países. A estas delegações nacionais que se foram constituindo um pouco por toda a Europa vieram a aderir importantes figuras da cena europeia dos anos vinte, notando–se, contudo, serem escassos os governantes de então que lhe dispensaram grande atenção: na Áustria o chanceler SEIPEL; no Luxemburgo o já mencionado MAYRISCH; em França, LOUCHEUR, HERRIOT e BRIAND; na Checoslováquia, o Ministro dos Negócios Estrangeiros, BENÈS; na Alemanha, o Presidente do Reichstag, Paul LÖBE, para além de Konrad ADENAUER e de EINSTEIN. Apesar de tudo, porém, o movimento paneuropeu não chegava às massas populares. No início, o seu fundador terá aspirado a conseguir congregar para a causa paneuropeia a opinião pública europeia, mas, de facto, a maior parte das secções nacionais da União Paneuropeia, constituídas nos diversos países com excepção da Áustria, permanecia limitada no seu campo de recrutamento. O público que assistia às reuniões do movimento paneuropeu era comparado ao que frequentava a Liga para a Sociedade das Nações e, mais tarde, as sessões do Movimento Europeu. Consciente da necessidade de inverter esta situação, e fazendo das tripas coração, KALERGI decidiu passar a dirigir–se, antes de mais, aos dirigentes económicos e políticos da Europa, divulgando–lhes o projecto da União Paneuropeia [BRUGMANS, 1970: 60].

Esta União Paneuropeia assentava a sua base programática num conjunto de exigências que passavam, entre outras, pela criação de uma Confederação Europeia baseada na garantia da recíproca igualdade, segurança e soberania de todos os Estados europeus; pela defesa da constituição de um Tribunal Federal Europeu destinado a regular os conflitos entre os Estados europeus; pela edificação de uma aliança militar europeia acompanhada da institucionalização progressiva de uma união aduaneira europeia e de uma moeda europeia — vertente que teve um dos seus pontos culminantes na realização, entre 4 e 6 de Outubro de 1926, em Viena de Áustria, do I Congresso Paneuropeu que conseguiu reunir parte significativa dos que já advogavam na altura uma ideia de Europa Unida. Apesar de a generalidade dos governantes europeus da altura não conferirem grande atenção às propostas de KALERGI — praticamente só BRIAND apoiou as suas teses de entre aqueles que governavam os Estados europeus da década de vinte — neste encontro tomaram assento nomes já grandes, ou que o viriam a ser, da política, das artes e das letras do Velho Continente. Assim, para além do já referido BRIAND, Paul VALÉRY, Rainer Maria RILKER, Stefan ZWEIG, Sigmund FREUD, Miguel de UNAMUNO, ADENAUER, EINSTEIN, Thomas MANN, HERRIOT, Ortega y GASSET e CHURCHILL marcaram presença e são apenas alguns dos que se poderiam mencionar. Os Congressos Paneuropeus realizaram–se ainda nos anos seguintes servindo de fórum para a divulgação de ideias e teses preconizando a unidade da Europa. Em 1930 seria realizado em Berlim o II Congresso. O III teria por sede Basileia em 1932. Em 1936, de novo em Viena de Áustria, realizou–se o IV Congresso. Em 1938, após a invasão da Áustria pelos exércitos alemães, KALERGI refugia–se em Gstaad, na Suiça, aproveitando para transferir a sede da União Paneuropeia para Berna. É o momento adequado para a redacção de nova obra (Kommen die Vereinigten Staaten von Europa?) onde, a par de um balanço dos recentes anos sombrios, como que adivinhando a catástrofe que a Europa e o Mundo estavam prestes a conhecer, KALERGI proporá o fortalecimento do eixo Londres–Paris como condição para o renascimento da Europa. O eclodir do conflito conduzi–lo–á ao exílio norte–americano e à docência na New York University onde, a par do magistério, continua a sua cruzada pela causa paneuropeia, desta feita com a publicação, em 1943, da obra Crusade for Pan–Europe [SAINT-OUEN, 1997: 44]. Ainda em 1943, em plena segunda guerra mundial, o V Congresso Paneuropeu teve Nova Iorque por sede. Contando com o apoio empenhado de Henry TRUMAN e de Foster DULLES, o protagonismo é conferido a europeus ilustres que conheciam o sabor amargo do exílio — SFORZA e Paul Van ZEELAND, entre outros, escutaram a mensagem que lhes foi endereçada por Winston CHURCHILL advogando a necessidade de constituição urgente de um Conselho da Europa . Os apelos saídos destes Congressos, sobretudo do primeiro, bem como os que antes deles se encontravam contidos nos diferentes textos de KALERGI, encontraram bastante eco por toda a Europa — nomeadamente em França onde opinião pública e homens de Estado se encarregaram de desenvolver alguns dos princípios e teses elaboradas por KALERGI.

O termo das hostilidades não significou, para KALERGI, qualquer diminuição da sua actividade em prol da causa e do ideal europeu — de certa forma deu–se, até, início a um período ainda mais movimentado e de empenho ainda superior na causa e nos valores pelos quais de há muito militava e se empenhava. Regressado do seu exílio norte–americano, retornou KALERGI profundamente crente na necessidade de reunir uma verdadeira assembleia constituinte europeia que, assente na sua legitimidade popular, pudesse elaborar uma verdadeira Constituição Europeia — que previsse novas instituições para a Europa e a transferência de novas competências dos seus Estados membros um pouco à imagem do que sucedera com a Convenção de Filadélfia de 1787 (outra vez, ainda e sempre, o exemplo norte–americano subjacente ao espírito de KALERGI…).

Em Novembro de 1946 vemos KALERGI dirigir–se por carta a mais de 4000 parlamentares de treze diferentes Estados da Europa, questionando–os sobre as vantagens da criação de uma «Federação Europeia no quadro das Nações Unidas» [SAINT-OUEN, 1997: 46]. O afluxo das respostas positivas então recebidas motivou KALERGI a organizar, em 4 e 5 de Julho de 1947, em Gstaad, uma reunião preparatória que convocou uma assembleia constitutiva para reunir, no mesmo local, entre os dias 8 e 10 de Setembro do mesmo ano. Estava traçado o caminho que levava à criação da União Parlamentar Europeia, com sede em Gstaad, que elegeria o socialista belga Georges BOHY para a sua presidência e confiaria a KALERGI o seu Secretariado–Geral .

Entre 1 e 4 de Setembro de 1948, em Interlaken, o segundo Congresso da União Parlamentar Europeia adoptaria um projecto de Constituição europeia inspirada num texto — Federal Europe — redigido em 1940 por um deputado trabalhista britânico — Ronald MACKAY — e na própria Constituição federal helvética, contemplando a existência de um Parlamento com duas Câmaras, um governo Federal eleito pelo Parlamento, e um Tribunal Supremo. A Federação Europeia assim perspectivada teria competências próprias nas áreas dos negócios estrangeiros e da política externa, da defesa e segurança, da protecção dos direitos do homem e em matéria económica e financeira prevendo–se, nomeadamente, a criação de uma moeda única com curso legal em todos os Estados que aderissem à Federação [SAINT-OUEN, 1997: 48]. De entre os subscritores deste projecto já se divisava o nome do chanceler Konrad ADENAUER. O projecto, contudo, remetido aos diferentes Parlamentos nacionais para adopção, viria a conhecer forte objecção no Reino Unido, na Holanda e em alguns Estados nórdicos — o que veio a condenar o projecto e a ideia subjacente a um completo inêxito. A tal fim não teria sido alheio, também, o facto de este projecto da União Parlamentar Europeia aparecer após a realização do Congresso da Haia de 1948 que, conforme teremos oportunidade de referir, conseguiu catalisar as mais diferentes vontades europeias no sentido da edificação do que viria a ser o futuro Conselho da Europa.

Os anos cinquenta irão ser, uma vez mais, determinantes no percurso político de KALERGI. Com a generalidade das organizações europeias e dos movimentos europeus confederados no quadro do Movimento Europeu, de que a União Parlamentar Europeia de KALERGI insistia em se manter apartada, na década de cinquenta produzir–se–ão dois acontecimentos do maior relevo que deverão ser referenciados: em 1952 — ano no qual KALERGI publica uma precoce autobiografia intitulada «Escolhi a Europa» — a União Parlamentar Europeia acaba por se agregar ao Movimento Europeu, assumindo–se como a sua câmara parlamentar, vindo o seu fundador a presidir ao próprio Movimento Europeu; por outro lado, gradualmente, KALERGI reconstruirá a União Paneuropeia em 1954 — ainda que sem a dimensão que havia conhecido nos anos vinte — e começará a nutrir uma proximidade cada vez maior e uma grande admiração pelas teses de de GAULLE, em marcha para o poder de Paris, mas que eram claramente tributárias de uma concepção intergovernamental que preconizava a Europa como uma união de Nações, mantendo–se, assim, afastado dos esforços de integração comunitária supranacional que, entre outros, a Europa da democracia–cristã de SCHUMAN, de GASPERI ou ADENAUER ia trilhando. Lentamente, KALERGI acabaria por suportar e apoiar alguns dos projectos de de GAULLE, nomeadamente o plano de criação de uma união de Estados indissolúvel no respeito pelas diferentes soberanias nacionais que teve a sua manifestação mais visível no Plano FOUCHET a que nos referiremos detalhadamente. Como refere SAINT–OUEN [1997: 51], KALERGI «aplaudirá o acordo franco–alemão de 1963, no qual via o embrião da futura Europa e um exemplo para os outros Estados. No final de 1965, durante a campanha presidencial francesa, o Movimento Europeu (para sancionar a política da «cadeira vazia» adoptada então por Paris contra Bruxelas) dá mostras de pender para o apoio a François MITTERRAND, concorrente do General. Foi demais para COUDENHOVE que rompe espectacularmente com o Movimento Europeu». Falecendo KALERGI em 1972, a União Paneuropeia sobreviveu–lhe — sendo que o essencial da sua actuação se centra num grupo de fiéis militantes que se distribuem, sobretudo, pela Alemanha (Baviera), Suiça, Áustria e França (sobretudo congregando uma importante facção do partido gaullista), mantendo–se frequentemente crítica do ritmo da integração comunitária que o Movimento Europeu, por contraposição, incentiva e aplaude, o que teve ocasião de ser expresso na altura da aprovação do Tratado de Maastricht com as críticas que lhe foram dirigidas e, após a queda do Muro de Berlim, com as posições reticentes quanto a um eventual alargamento rápido da União Europeia às novas democracias do centro e leste da Europa — posições sempre divergentes das que, sobre as mesmas matérias, foram adoptadas pelo Movimento Europeu. Mas foi precisamente no ano em que faleceu, que KALERGI nos legou o seu verdadeiro testamento político, muito mais completo e profundo que as memórias publicadas precocemente em 1952 — «Europa, potência mundial» é um verdadeiro testemunho europeísta que constitui um extraordinário testemunho pessoal da trajectória do seu autor, com uma viva descrição da génese e desenvolvimento do Movimento Paneuropeu e do próprio itinerário histórico da ideia de Europa [PÉREZ-BUSTAMANTE — SAN MIGUEL PÉREZ, 1998: 90]

Written by Joao Pedro Dias

18 Novembro 2005 às 5:32 pm

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